sexta-feira, 12 de abril de 2024

II SEMINÁRIO INTERNACIONAL JUVENTUDE(S) E CIDADANIA

 


Esta é a segunda edição do seminário internacional Juventude(s) e Cidadania. O objetivo deste evento é o de promovermos o encontro de diferentes estudos que vem sendo realizados sobre juventude(s) no Brasil e em Portugal sob o viés da problemática da cidadania. Ou seja, a partir de quais experiências concretas os jovens se aproximam e se distanciam da cidadania como modelo ideal de agência política, como sujeitos sociais plenos, capazes de interpelar e reagir às condições de precarização que lhes são muitas vezes impostas pelas contingências de poder hegemonizados. Os temas das identidades, estilos de vida e culturas juvenis; dos usos das tecnologias digitais e das relações de poder aí contidas; da participação política ou das formas de ativismo com pautas plurais; da relação entre trabalho, renda e desigualdades; da violência e das políticas públicas voltadas para os jovens, gravitam em torno da questão da cidadania, aqui entendida também como um campo no qual a agência, a participação e a autonomia são disputadas, reconhecidas e visibilizadas (ou não). Este evento promovido no âmbito da interlocução entre  o Centro Interdisciplinar de Ciências sociais (CICS.NOVA), da Universidade Nova de Lisboa, e do Grupo de Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas (GERTs), da Universidade federal do Sergipe, é realizado de forma híbrida (presencial e remota) e contará com três sessões atravessando os temas das "Desigualdades e políticas públicas", das "Práticas culturais e sociabilidades" e, por último, da "Tecnologia e mundos virtuais". 


15 de Abril - Sessão I  

"Desigualdades e políticas públicas" 

 

Debatedores

Frank Marcon  (GERTs-UFS)

 

Cores da Mudança: Arte Urbana, Participação Comunitária e Políticas Públicas em Bairros de Habitação Social

Ana Castro (CECS-Univ.Minho)

 

Acolhimento institucional para jovens mulheres em Aracaju/SE

Raiane de Jesus Santos (PPGS – UFS)

 

 

27 de Maio  - Sessão II  

"Práticas culturais e sociabilidades"

 Debatedores  

João Bittencourt (UFAL) 

 

Resistência e Rap: uma etnografia num bairro periférico de Lisboa a desaparecer

Pedro Varela (CIES-ISCTE.IUL)

 

"Esse espaço também é nosso": jovens mulheres e o direito à cidade a partir da prática do skate e do surfe

Letícia Oliveira Feijão Galvão (PPGS – UFS)

 


 

  25 de Junho - Sessão III

"Tecnologia e mundos virtuais"

  

Debatedores  

Ricardo Campos (CICS.NOVA)

  

As Redes Sociais como Espaços de Mobilização Coletiva – Um Olhar Sobre Fandoms de K-Pop

Priscila Tarlé (DRI, Universidade Aberta)

 

Competências digitais e cultura algorítmica: práticas de jovens no Brasil pós-pandemia

Gabriela Losekan (UFS – PPGS)

  

sábado, 9 de março de 2024

O Antropólogo como Autor


GEERTZ, Clifford. Obras e vidas: o antropólogo como autor. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. 

GEERTZ, Clifford. Works and lives: the anthropologist as author. 1ª ed. Stanford, California: Stanford University Press, 1988. 


Por Gabriela Losekan 

Doutoranda em Sociologia (PPGS/UFS) 

Bolsista CAPES e Membro GERTS 

Logo no prefácio de Obras e vidas: o antropólogo como autor (2002), Clifford Geertz esclarece dois pontos importantes para a compreensão da sua argumentação ao longo do livro: o termo antropologia é usado como equivalente a trabalhos etnográficos e, embora questões biográficas e históricas sejam relevantes para a discussão sobre esse tipo de trabalho, sua principal intenção é compreender como antropólogos escrevem. Em síntese, sua argumentação é orientada aos aspectos textuais presentes em determinados trabalhos etnográficos, escritos por Claude Levi-Strauss, Edward Evan Evans-Pritchard, Bronislaw Malinowski, e Ruth Benedict. Então, além do capítulo que inicia o livro, Estar lá, e o capítulo que o encerra, Estar aqui, cada capítulo que compõe o desenvolvimento do livro é dedicado a um autor e obra em específico. Nesse sentido, essa resenha se limita ao capítulo inicial e final da obra.

No primeiro capítulo, Estar lá, Geertz nos provoca a pensar sobre os possíveis sentidos literários da escrita antropológica ao indagar o que faz com que textos etnográficos sejam persuasíveis. Na sua visão, a extensão de descrições etnográficas e seus argumentos teóricos, sozinhos, não são capazes de convencer de que o que o antropólogo diz, resulta de ter estado lá, “em contato estreito com vidas distantes” (p 17). Para que isso ocorra, a escrita é essencial pois, “impossibilitados de recuperar os dados imediatos do trabalho de campo para uma reinspeção empírica” (p. 17), é o aspecto do trabalho etnográfico que fará com que alguns etnógrafos sejam mais eficientes em transmitir suas impressões em texto e, com isso, mais ouvidos pela comunidade acadêmica e demais leitores. 

Após situar o leitor sobre a relevância da escrita para o trabalho etnográfico, Geertz passa a argumentar sobre a função do antropólogo enquanto autor do texto etnográfico. Nesse ponto, ele conduz às seguintes discussões que emergem da análise literária de textos etnográficos: a questão da assinatura enquanto construção de uma identidade autoral, e a questão do discurso, um modo de enunciar as coisas relacionado a essa identidade. A questão da assinatura, isto é, a presença (ou tentativa de disfarce) autoral em um trabalho etnográfico esteve relacionada com um problema epistemológico, “impedir que visões subjetivas distorçam fatos objetivos” (p. 21). Um impasse comumente relacionado ao trabalho de campo e à descrição etnográfica enquanto método, e não ao discurso que está implicado na escrita de “textos ostensivamente científicos a partir de experiência em grande parte biográficas” (p. 22). 

Admitir que os textos etnográficos “tendem a parecer romances, pelo menos tanto quanto laudos laboratoriais” (p. 20), ao mesmo tempo que permite pensar a questão da assinatura, estabelece um dilema: a oscilação entre a postura do “físico não-autoral” e do “romancista hiper autoral”, sem de fato permitir nenhum dos dois. Isso demonstra a dificuldade que o antropólogo enfrenta ao tentar se situar “num texto do qual, ao mesmo tempo, espera-se que seja uma visão íntima e uma avaliação fria” (p. 22). Para elucidar esse impasse, Geertz traz dois exemplos de autores que abordaram diretamente o dilema da assinatura em suas obras: o livro de Raymond Firth, We, the Tikopia, originalmente publicado em 1936, e o livro de Loring Danforth, The death rituals of rural Greece, publicado em 1982. Apesar das diferenças de posicionamento dos autores no texto - Firth preocupado com a neutralidade científica e Danforth, com um engajamento mais humanista -, Geertz destaca que ambos autores conseguiram nos convencer de que estiveram lá e “de que se houvéssemos estado lá, teríamos visto o que viram, sentido o que sentiram e concluído o que concluíram” (p. 29). 

Para abordar a questão do discurso nos textos etnográficos, Geertz mobiliza o ensaio foucaultiano, Que é um autor? e o texto de Roland Barthes, Autores e escritores. Em síntese, Foucault diferencia autores que são fundadores da discursividade, isto é, autores que quando produziram suas obras produziram algo mais (um teoria, uma tradição, uma disciplina...), e autores que são produtores de textos particulares. Por outro lado, Barthes diferencia autores que escrevem e escritores que escrevem algo. Para o autor, a escrita, ou a linguagem, se constituiu numa práxis, enquanto para o escritor, é meramente um meio. Nesse ponto sobre a questão do discurso, novamente um dilema: na visão de Geertz, o discurso antropológico continua “empacado” entre a alternativa do discurso propriamente literário e do discurso propriamente científico. Em síntese, “a incerteza que aparece, em termos da assinatura, até que ponto e de que maneira invadir o próprio texto, aparece, em termos do discurso, como até que ponto e de que maneira compô-lo imaginativamente” (p. 34-35). 

Se no primeiro capítulo, Geertz argumenta sobre a importância de pensar a assinatura e o discurso na escrita do texto etnográfico, no último capítulo, Estar aqui, o autor tece reflexões sobre as consequências de “(...) olhar para os textos de etnografia, além de olhar através deles” (p. 181, grifos do autor). O ponto central do capítulo é a discussão sobre o papel e o futuro da antropologia frente às reorganizações políticas do mundo, momento em que já não é mais possível fugir do ônus da autoria, uma vez que “(...) as fundações morais da etnografia foram abaladas do lado do Estar lá, pela descolonização” (p. 117) e “suas fundações epistemológicas foram abaladas, do lado do Estar aqui, por uma perda generalizada da confiança nas histórias aceitas sobre a natureza da representação” (p. 177). Nesse contexto, Geertz levanta dois questionamentos: quem deve ser convencido hoje em dia e convencido de quê? Tendo em vista que os objetos de estudo que estão lá e o público que está aqui não são mais separáveis ou moralmente desvinculados. 

Para Geertz, mesmo nesse novo contexto, a tarefa do etnógrafo continua sendo demonstrar que os relatos sobre como vivem os outros podem transmitir convicção. Para tanto, “o vínculo textual entre as facetas do Estar Lá e do Estar Aqui da antropologia, a construção imaginativa de um terreno comum entre o Escrito A e o Escrito Sobre (...) é a fons et origo de qualquer capacidade que tenha a antropologia de convencer alguém de alguma coisa” (p. 188). Em que pesem as críticas aos textos escolhidos, à análise literária decorrente deles e, incluso, à estilística argumentativa do autor (Massi, 1992; Peirano, 1989), o leitor é convencido de que é preciso resgatar a análise textual do texto etnográfico para compreender como “(...) os processos literários afetam o modo pelo qual os fenômenos culturais são percebidos e apresentados” (Massi, 1992, p. 166), especialmente frente aos dilemas morais, políticos e epistemológicos que emergem das mudanças políticas do mundo. Por fim, o que ainda está disponível para o antropólogo? Escreve Geertz: “(...) facultar a conversa através de linhas societárias – de etnia, religião, classe, sexo, língua, raça – que se tornaram progressivamente mais matizadas, mais imediatas e mais irregulares” (p. 191-192). 

Referências

 MASSI, Fernanda. As estratégias textuais de Clifford Geertz. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 166-168, 1992. Disponível em: https://lecturayescrituraunrn.files.wordpress.com/2017/03/resec3b1a-geertz-massi.pdf. Acesso em: 05/03/2024. 

PEIRANO, Mariza. Só para iniciados. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 93-102, 1990. Disponível em: https://www.academia.edu/52674522/S%C3%B3_para_iniciados. Acesso em: 05/03/202

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

5ª Mostra Elas por Trás das Câmeras - Resistências e Coletividades

 


A 5ª Mostra Elas por Trás das Câmeras integra a programação da Semana de Antropologia da UFS e acontece gratuitamente entre os dias 21 e 23 de novembro, das 9h às 12h, no auditório do Departamento de Comunicação Social da UFS. A mostra conta com a exibição de curtas-metragens dirigidos por mulheres e rodas de conversa.

Conheça a programação:

21 de novembro – Sessão 1: Corpos

Corpos Políticos, Mulheres no Audiovisual PE - MAPE, 5’ (PE)
Espelho, Luciana Oliveira, 18’ (SE)
Iauarête, Xan Marçal, 13’ (BA)
Porto das Almas, Carolina Timoteo, 20’ (SE)
Thuë pihi kuuwi – Uma Mulher Pensando, Aida Harika, Edmar Tokorino e Roseane Yariana, 9’ (RR)

Debatedoras: Luciana Oliveira e Manuela Veloso Passos
Mediação: Danielle de Noronha

22 de novembro – Sessão 2: Memórias

De tudo um pouco sabia costurar, Yérsia Souza e Felipe Moraes, 24’ (SE)
Elekô, Coletivo Mulheres de Pedra, 6’ (RJ) Fartura, Yasmin Thayná, 27' (RJ)
TEKOHA - Mulheres Indígenas: Lutas e Retomadas, Coletivo nós, madalenas, 22’ (SP)

Debatedoras: Ana Marinho, Nara Caroline e Yérsia Souza
Mediação: Kênia Freitas

23 de novembro – Sessão 3: Tempos

Afluências, Iasmin Soares, 14’ (PB)
Contraturno, Larissa Fernandes e Deivid Mendonça, 26’ (GO)
Guaxuma, Nara Normande, 15’ (AL)
O FASC me toca e eu sou tocada por ele, Layla Bonfim, 20’ (SE)
Salve todos, Isabela Renault, 11’ (MG)

Debatedoras: Layla Bomfin, Letícia Galvão e Mariana Isla
Mediação: Erna Barros

Para saber as sinopses dos filmes, acesse: https://bit.ly/5elasportrasdascameras


quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Seminário GERTs - Gênero e Sexualidade nas Ciências Sociais

 


Apresentação e debate de trabalhos realizados por pesquisadoras vinculadas ao GT Gênero e Sexualidade do Grupo de Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas (GERTs). Evento online.

Programação:

29 de setembro – 17h30 às 19h
Narrativas de gênero e sexualidade nas artes plásticas contemporâneas: implicações dos sistemas artísticos no Brasil, Colombia e Peru – Maria Cristina Simões Viviani

Jovens mulheres e a reivindicação do direito à cidade pela prática do surfe e do skate em Aracaju – Letícia Galvão

23 de outubro – 17h30 às 19h 
Reinvenções das imagens da mulher: Uma genealogia dos corpos femininos da arte moderna aos quadrinhos contemporâneos – Ana Paula Oliveira Barros

O coletivo é político: O papel dos coletivos contemporâneos de mulheres e dissidências de gênero na (re)configuração das imagens e sons do cinema e do audiovisual brasileiros – Danielle Parfentieff de Noronha

24 de novembro – 17h30 às 19h 
Agroecologia e gênero: o projeto algodão em consórcios agroecológicos no alto sertão sergipano – Letícia Maciel 

A tradução do feminismo no discurso do Planeta Ella – Wener da Silva

15 de dezembro – 17h às 19h 
Cultura e território: uma análise da cena k-cover da Grande Aracaju – Ana Luisa Souto Oliveira

Adolescentes em cumprimento de medidas por atos infracionais: a condição das mulheres internas e o apagamento social – Élida Braga

A pandemia e as emoções: os significados da experiência de ser jovem no cenário brasileiro de crises – Lucia Verônica Muniz de Paulo

Para membras(os) do GERTs. Inscrições via Sigaa.



terça-feira, 8 de agosto de 2023

Juventude e moda

Por Adrielle da Silva Oliveira


A moda pode ser trabalhada de diversas formas, nesse texto irei fazer uma ligação entre ela, estilos de vida, identidade visual e de que maneira a moda é utilizada como linguagem pelas juventudes periféricas. 

Nos estudos sobre juventude é possível ver a formação de grupos associados a questões políticas e estilos de vida. A ideia de grupos sociais traz uma noção de solidariedade e proximidade, onde o indivíduo se sente seguro despertando assim um sentimento de comunhão. Michel Maffesoli (1998) chama essa união de indivíduos com gostos em comum de tribalismo, essas redes se unem através da vulnerabilidade humana e o medo de se sentir sozinho ou deslocado. As tribos suprem a necessidade de se sentir compreendido, de troca de experiências e de conexão com outras pessoas (MAFFESOLI, 1998).

Nas tribos urbanas os indivíduos utilizam máscaras sociais (MAFFESOLI, 1998) com a função de integrar uma “persona” através do cabelo, tatuagens, acessórios e afins, que podem ser lidos como estranhos ou “caretas” por tribos diferentes. Esses grupos sociais são mantidos através de um sentimento de familiaridade com elementos neles instituídos - como posicionamentos ideológicos, gostos musicais, territórios e outros fatores (MAFFESOLI, Michel 1998). A juventude é a fase onde geralmente se começa a frequentar esses espaços por consequência de diversos fatores: inserção do jovem no mercado de trabalho, a construção de um senso de individualidade trazendo assim uma ampliação do consumo em espaços de lazer. Diante desta partilha de experiências é construído uma imagem seguindo os demais integrantes é uma forma de se afirmarem “alguém” em uma sociedade que massifica e os transforma em anônimos (DAYRELL, Juarez 2002).

Os grupos também abrem outros espaços sociais onde acabam aderindo mais que características visuais e gostos em comum, um consumo que vai além disso, criando assim estereótipos relacionados a eles. Após a inserção dos jovens nesses espaços eles começam a ter noção da sua posição social e fazem escolhas de acordo com sua realidade, que foi construída dentro das suas múltiplas referências adquiridas ao longo de toda sua vida dando ênfase ao grupo social onde se sente mais acolhido. No movimento hip-hop, bailes Funk, entre outros espaços maioritariamente frequentados por jovens periféricos um marcador bastante utilizado é o uso de um determinado tipo de moda, com o objetivo de afirmar o pertencimento a uma coletividade específica entre o restante dos grupos urbanos.

A moda vem sendo trabalhada como sistema de representação que para Stuart Hall significa utilizar a linguagem para expressar algo sobre o mundo ou representá-lo a outras pessoas. Utilizando o exemplo do Hip-hop a moda aderida foi feita para se adequar à realidade urbana desses jovens: roupas confortáveis de fácil aderência com os movimentos, ideais para transitar em ônibus, metrôs, caminhar longas distâncias; tecidos mais grossos e pesados possibilitavam a proteção do frio das ruas. (IARA - Revista de moda, cultura e arte, 2010). 

Assim, podemos observar a versatilidade da moda e como ela pode ser aplicada nos mais diversos ambientes para além da moda global mais conhecida como “fashionista” onde se preza a tendência. A moda popular busca valorizar o contexto que está inserida, nos bailes Funk as mulheres utilizam roupas mais sensuais que valorizam o seu corpo ao dançar, homens buscam estar com acessórios e marcas citadas nas letras das músicas, já no dia a dia essas mesmas pessoas geralmente estão vestidas de maneiras diferentes já que uma mesma pessoa pode está inserida em mais de um grupo social e vivenciar mais de um estilo de vida. (MIZAHI, Mylene 2019) 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA 

A moda demarcada espaço: o caso da “moda hip hop.” IARA, Revista de moda, cultura e arte, São Paulo - v.3, dez. 2010.

ABRAMO, Helena Wendel. Cenas Juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. 1. ed. São Paulo: Editora Página Aberta, 1994. 

DAYRELL, Juarez. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p. 117-136, jan./jun. 2002. 

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Apicuri, 2016 

MIZAHI, Mylene. O funk, a roupa e o Corpo: Caminhos para uma abordagem antropologica da moda. Cadernos de Arte e Antropologia, Rio de Janeiro, 2019.

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Jovens digitais: experiências sociais mediadas por interfaces tecnológicas

 Por Gabriela Losekan

        

        De maneira geral, o que significa dizer que os jovens dessa geração são jovens digitais? Sem perder de vista processos históricos, econômicos e políticos a nível global e como se relacionam com o fenômeno do digital (Faustino, Lippold, 2023; Silveira, 2021), podemos afirmar que a Internet e as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) produzem novas práticas sociais, um novo sentido para o tempo e para o espaço, corroborando para “(...) una mutación profunda en la producción de subjetividad, otras formas de consolidar la propia experiencia y otros modos de auto-tematización, otros regímenes de constitución del yo, otras maneras de relacionarse con el mundo y con los demás, mediados por las TIC” (Muñoz, 2016, p. 75).

        Frente a intensificação e onipresença de sistemas computacionais no cotidiano social, tanto o âmbito da subjetividade quanto da sociabilidade e da agência dos jovens são mediados, em menor ou maior grau, pela tecnicidade, isto é, nas suas interações pela e com a tecnologia (Martín-Barbero, 2008). Embora essa mediação seja interpelada por marcadores sociais como classe, raça e gênero, pelas formas e condições de acesso a essas tecnologias, implicando, inclusive, em uma discussão mais complexa sobre cidadania digital (Batista e Simões, 2022), o digital proporciona um entorno múltiplo (Muñoz, 2016) comum a seus usuários, descrito como “(...) virtual y actual, selectivo y masivo, local y global, posicional y nómada al mismo tiempo…con nuevas experiencias de libertad aunque estén controladas, una explosión de subjetividades atravesadas por el consumo” (ibidem, p. 77).

Hyper-Reality, por Keiichi Matsuda.  Disponível em: https://vimeo.com/166807261

      Nesse entorno múltiplo, a temporalidade da Internet, que não é linear, mas instantânea, a imaterialidade do hipertexto no ciberespaço e a interface dessas tecnologias transformam os sentidos, as percepções e as formas de produzir a experiência social (Muñoz, 2016, p. 84), especialmente através da linguagem, da corporeidade e da sensibilidade de crianças, adolescentes e jovens (Martín-Barbero, 2008) que vivenciam essas fases de vida enquanto um momento propicio a formação das suas percepções de si, das suas relações e do mundo em que vivem. Portanto, de maneira geral, dizer que os jovens dessa geração são jovens digitais significa dizer que através desses sujeitos podemos observar novas formas de subjetividades e agências articuladas e mediadas pelas TICs.

            Não obstante, é preciso ter cautela quando mobilizamos o termo para caracterizar jovens ou uma geração de jovens. Expressões como nativos do digital (Prensky, 2001) sugerem uma competência tecnológica quase inata àqueles jovens que nasceram e cresceram em uma realidade em que o computador, o smartphone e a Internet sempre existiram. É claro que crianças, adolescentes e jovens se tornam usuários de tecnologias cada vez mais cedo, mas, embora mais ambientados à presença e ao uso da Internet e de suas tecnologias e mais dependentes de softwares no seu dia-a-dia, muitos jovens continuam tendo pouco ou nenhum conhecimento sobre como funcionam essas tecnologias, embora desenvolvam expertises e práticas tecnológicas diversas a partir de suas experiências digitais.

        Questionando a expressão nativo digital, Ortega e Ricaurte (2009, p.43) argumentam que “no todos los jóvenes de la generación digital poseen las competencias distintivas de esa generación, ni que las generaciones anteriores sean incompetentes tecnológicamente”. Em complemento, Boyd (2014, p.176) escreve que “the rhetoric of “digital natives”, far from being useful, is often a distraction to understanding the challenges that youth face in a networked world”. Em ambas publicações, as autoras apontam alguns mitos sobre as competências tecnológicas da atual geração de jovens, sinalizando, por outro lado, duas situações: a subutilização das possibilidades oferecidas pela tecnologia, traduzida na fraca alfabetização e literacia digital dos jovens, e, também, brechas digitais nas formas de acesso e uso dessas tecnologias. 

            Em seu estudo sobre jovens e cultura digital, Ricaurte (2018, p. 21) destaca que, além de ser necessário atentar para as diferentes realidades em que se encontram os jovens e as diversidades de formas em vivenciar a juventude, especialmente no contexto latinoamericano, “los estudios sobre cultura digital deben ser encarados como situados, encarnados y en la vida cotidiana (Hine, 2015) como resultado de la red de relaciones, del contexto y coyuntura en los que tiene lugar” (ibid, p. 21). Nesse sentido, as práticas digitais permanecem um aspecto fundamental do cotidiano dos jovens conectados a ser analisado. O desafio posto é conseguir compreender como o ambiente técnico faz parte, cada vez mais, de corporeidade, cognição e práticas (Martín-Barbero, 2008, p. 25) desses jovens digitais e em que medida os uso e apropriações tecnológicos pelos jovens estão relacionados a questões mais complexas que perpassam as discussões sobre o digital, como a relação entre sistemas algorítmicos e a sociabilidade, subjetividade e agência dos sujeitos jovens (Djick, 2013; Silveira, 2018). 

        Algumas pesquisas recentes têm enfrentado essas questões a partir de abordagens teórico-metodológicas distintas. Na pesquisa etnográfica sobre o TikTok da antropóloga Abidin (2021), a pesquisadora demonstra como o uso dessa plataforma de mídia social influencia no desenvolvimento de determinadas expertises e práticas digitais entre os seus usuários, majoritariamente jovens. Abidin (ibid., p. 26) destaca que, além das expertises técnicas e práticas interativas, jovens TikTokers, especialmente aqueles que aspiram viralizar na plataforma com o objetivo de tornar-se uma celebridade da Internet, também desenvolvem práticas algorítmicas que são “engajamentos dos usuários em comportamentos padronizados e rotineiros na crença de que suas ações repetidas irão persuadir e acionar o algoritmo da plataforma para trabalhar a seu favor”. Essas práticas, aprendidas por repetidas tentativas, observação de padrões e, inclusive, intuição, são mobilizadas com o objetivo de alcançar alta visibilidade, “agradando” e, em alguns casos “enganando” a plataforma, embora seu algoritmo seja uma caixa-preta bem guardada, como ocorre em outras plataformas. 

            A relação entre a experiência digital dos jovens e interfaces tecnológicas também é abordada na pesquisa da socióloga Carolina Castro Grau. Buscando expandir o conceito de experiência social de Dubet (2011) por meio de Van Djick (2016), Grau (2019, p. 107) define interface tecnológica 

 

como una arquitectura computacional, pero igualmente en un sentido sociocultural y político, convirtiéndose en una infraestructura performativa que permite que pasen cosas, que media, sugiere, cuantifica y mide la vida social, lo cual tendría incidencia en la configuración de las experiencias de los propios usuarios (Van Dijck, 2016), transgrediendo la idea de intermediario neutral.

 

A partir de entrevistas semiestruturadas com jovens usuários do Instagram, Grau identificou que, embora a pluralidade de experiências dos jovens possa ser categorizada a partir da lógica da integração social, da estratégia e da subjetivação, tal como posto pela teoria de Dubet, a lógica da interface tecnológica permeia todas as lógicas anteriores e, em muitos dos casos, os jovens relataram perceber a sua incidência na configuração das suas próprias experiências na plataforma.

Indo além das experiências e práticas juvenis mediadas pelas plataformas digitais, no seu artigo sobre jovens estudantes mexicanos e seus imaginários sociais sobre Inteligência Artificial (2019, p. 52), a pesquisadora Paola Ricaurte Quijano destaca que a infância, a adolescência e a juventude conectada ocupam um lugar central no ecossistema das tecnologias associadas a IA por serem, ao mesmo tempo, produtores (de dados e tecnologias) e consumidores (de serviços e produtos), além de ser a força laboral presente e futura para o setor. 

A partir da realidade mexicana, Ricaurte critica a fraca implementação de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento tecnológico e científico que, além de não posicionar o país como um ator relevante no ecossistema tecnológico a nível global, falha em inserir os jovens de forma participativa na sociedade digital, contribuindo para a intensificação das brechas digitais entre os jovens. Para contribuir com o debate, a pesquisadora mobiliza os imaginários sociais de jovens estudantes mexicanos sobre a IA para compreender o que conhecem e pensam sobre essa tecnologia e como a vinculam a suas vidas cotidianas. Citando Augé (1999, p. 10), a autora escreve que “los imaginarios articulan el sentido de lo común, de lo compartido, constituyen un terreno de encuentro y disputa en contextos de contacto cultural y colonización” (2019, p. 54). 

Entre os achados exploratórios da pesquisa, é interessante destacar a percepção dos jovens estudantes mexicanos sobre as capacidades das tecnologias de IA, tais como “raciocinar” e “pensar”, características da inteligência humana, ainda que não tenha sido mencionado como se produz ou se desenvolve tal capacidade. Ademais, é nítido que seus imaginários são marcados por extremos apocalípticos ou utópicos sobre a presença das tecnologias de IA na sociedade do futuro. Embora consigam identificar a presença dessas tecnologias no seu cotidiano, citando como exemplo assistentes virtuais, plataformas de mídia social, videogames, etc., os imaginários dos jovens entrevistados para pesquisa são predominantemente articulados a partir do senso comum sobre IA.

São pesquisas que nos provocam a pensar em que medida expertises e práticas tecnológicas somadas a experiências digitas podem ou não corroborar para o desenvolvimento de um conhecimento significativo sobre a Internet e suas tecnologias entre jovens, influenciando ou não em formas de agência menos ou mais reflexivas mediadas por interfaces tecnológicas, sem perder de vista as especificidades da localidade e do cotidiano em diálogo com as dinâmicas de conjunturas globais e disputas de poder.

Referências

ABIDIN, C. Mapeando celebridades da Internet no TikTok: Explorando Economias da Atenção e Trabalhos de Visibilidade. Revista Pauta Geral-Estudos em Jornalismo, v. 8, p. 1–50, 2021.

BATISTA, S.; SIMÕES, J. A. Cidadania digital de jovens em três países europeus: perfis de (não) participação cívica online. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 98, 2022, p. 9-29.

BOYD, D. It’s complicated: the social lives of networked teens. New Haven: Yale University Press, 2014, p. 176-199.

DIJCK, J. VAN. The culture of connectivity: a critical history of social media. Oxford ; New York: Oxford University Press, 2013. 

FAUSTINO, D.; WALTER, L. Colonialismo digital: por uma crítica Hacker-Fanoniana. São Paulo: Boitempo, 2023. 

GRAU, C. C. Instagram como interfaz tecnológica: algoritmos e interacción de las juventudes. Em: BROSSI; LIONEL (Org.). Inteligencia artificial y bienestar de las juventudes en América Latina. Santiago: LOM ediciones, 2019, p. 105-113.

MARTÍN-BARBERO, J. A mudança na percepção da juventude: sociabilidades, tecnicidades, e subjetividades entre os jovens. Em: BORELLI, S. H. S.; FREIRE FILHO, J. (Org.). Culturas juvenis no século XXI. São Paulo: Educ, 2008, p. 9-32

MUÑOZ, G. Jóvenes digitales. Em: FEIXA, C.; OLIART, P. (EDS.). Juvenopedia: mapeo de las juventudes iberoamericanas. Primera edición ed. Barcelona: NED Ediciones, 2016. 

ORTEGA, E; RICAURTE, P. Jóvenes nativos digitales: mitos sobre la competencia tecnológica. Diário de Campo, n.106, p. 40-49, 2009.

PRENSKY, M. Digital Natives, Digital Immigrants. On The Horizons, v. 9, n. 5, p. 1-6, out./2001.

RICAURTE, P. Jóvenes y cultura digital: abordajes críticos desde América Latina. Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación, v. 137, Ecuador: CIESPAL, p. 13–28, jul. 2018.

RICAURTE, P. Jóvenes e imaginarios sobre inteligencia artificial en México. Em: BROSSI; LIONEL (Org.). Inteligencia artificial y bienestar de las juventudes en América Latina. Santiago: LOM ediciones, 2019, p. 51-61.

SILVEIRA, S. A. A hipótese do colonialismo de dados e o neoliberalismo. In: CASSINO, João Francisco; SOUZA, Joyce; SILVEIRA, Sérgio Amadeu da (orgs.). Colonialismo de dados : como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal. São Paulo, Autonomia Literária, 2021, p. 33-51.

SILVEIRA, S. A. A noção de modulação e os sistemas algorítmicos. Em: SOUZA, J.; AVELINO, R.; SILVEIRA, S. A. (orgs). Sociedade de controle – manipulação e modulação nas redes sociais. Editora Hedra, 2019, p. 31-47.




segunda-feira, 3 de julho de 2023

Afrofuturismo na Encruzilhada: usos e sentidos de tecnologias diaspóricas na construção de identidades

Por Laila Souza Carvalho



Figura 1 - Capa do single "Futuro Ancestral"; do multiartista Afrofuturista Marvin Lima

O exercício de exploração da imaginação está muito mais próximo do nosso cotidiano do que podemos detectar. Vivemos em meio a inúmeras possibilidades de escolhas e conversas internas com o nosso próprio “eu” acerca das decisões que serão tomadas durante o dia, ou até mesmo na forma como projetamos o futuro, seja ele daqui a minutos, horas, dias ou anos. Dessa forma, a construção daquilo que compreendemos por futuro está sendo constantemente edificado no presente, as vezes com referências de momentos passados, outras vezes não.

O Afrofuturismo se construiu e continua se construindo tomando por base esse constante exercício de exploração do campo imagético de pessoas pretas, através do qual foi sendo estabelecido uma relação cada vez mais próxima entre a ficção especulativa e aquela mesma pergunta que não quer calar: afinal de contas, onde estão os negros nos espaços, notadamente em espaços e posições de poder e tomada de decisão? O presente trabalho está voltado a entender essa pergunta e mais algumas, dentro de um contexto exploratório do conceito Afrofuturista, como por exemplo: o que é o Afrofuturismo? Quais as dificuldades impostas pela raça que atingem também o movimento Afrofuturista? O movimento Afrofuturista pode ser considerado como uma forma de identidade? Quais os principais contornos e características desse movimento?

Nesse compasso, a metodologia aplicada ao trabalho de pesquisa e revisão bibliográfica se acentua em conceitos traçados por estudiosos que se dedicam a entender diferentes formas de fazer pesquisa, com foco principal na autoetnografia, métodos interseccionais e relacionantes da própria experiência ao ambiente de pesquisa e conceitos estudados, fazendo um paralelo com a perspectiva da pesquisadora nessa experiência de fazer mestrado num país com um contexto sociopolítico no qual predominam o evidente descaso e desaparelhamento da educação pública e as constantes e massacrantes políticas públicas de ódio contra pessoas pretas. 

Para isso, lanço mão das tecnologias diaspóricas desenvolvidas pelos pesquisadores João Mouzart (2021) e Luiz Rufino (2017) como metodologia de estudo e de trabalho, analisando o Afrofuturismo a partir da "Pedagogia da Encruzilhada" (RUFINO, 2017), pois lanço o movimento Afrofuturista ao cruzo de suas próprias narrativas e agendas possíveis a partir de uma visão afrocentrada. "No mesmo compasso, ao lançar o conceito ao cruzo de suas possibilidades, me utilizo da Metodologia Parafuso" (MOUZART, 2021) para me lançar em um constante movimento reflexivo e analítico em torno do tema, seus alcances com relação à formação identitária de um grupo que está em constante modificação e enraizamento, aliado à própria perspectiva da pesquisadora Afrofuturista, que se vê contemplada pela maioria dos resultados de vivências possíveis a partir da movimentação do cruzo, notadamente nos aspectos concernentes à necessidade de usos de métodos anticoloniais nos modos de fazer pesquisa.

As configurações de construção do conceito do Afrofuturismo em suas várias implicações e formas, bem como o entendimento do tema como uma importante ferramenta tecnológica sedimentada a partir de experiências diaspóricas está sendo embasada em diversos pensadores Afrofuturistas que têm se debruçado acerca do objeto de análise nos mais diversos seguimentos, aos quais me alinho e utilizo como exemplos de sujeitos pensantes e praticantes do que denomino de movimento Afrofuturista no Brasil, tais como os escritores Lu Ain-Zaila (2019), Fábio Kabral (2016), Kenia Freitas (2018), Zaika dos Santos (2021), Morena Mariah e tantos outros nomes possíveis, visto a ampla gama de possibilidades que o Afrofuturo traduz.

Sendo assim, podemos fazer um exercício crítico e reflexivo a partir modus operandi Afrofuturista, ou seja, a partir de um embasamento teórico completamente construído por, com e para pessoas pretas, numa tentativa de traçar futuros que consideram as perspectivas da ancestralidade como ponto de partida para as infinitas possibilidades construídas dos diversos cruzos resultados da realidade diaspórica, tomando o tempo passado em seu aspecto imutável, visto que não se pode mudar o que já passou, mas podemos olhar os fatos acontecidos sob outros pontos de vista e experiências, principalmente a partir de uma perspectiva empretecida, dá-los novos contornos, interpretações e possibilidades, o que acarreta em resultados diversos tanto para o presente quanto para o futuro, pois é através das experiências já experimentadas que atuamos no presente para a construção de um futuro, ou pelo menos é assim que se entendem os usos e sentidos do movimento Afrofuturista.

REFERÊNCIAS

JUNIOR, Luiz Rufino Rodrigues. Exu e a Pedagogia das Encruzilhadas. Luiz Rufino Rodrigues Junior. Tese. (Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), 2017.

OLIVEIRA JUNIOR, João Mouzart de. Entre a rua e o Ciberespaço: Ciberracismo nas redes sociais brasileiras. João Mouzart de Oliveira Junior. Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos no Programa de Pós-graduação Multidisciplinar em Estudos Étnicos e Africanos na Universidade Federal da Bahia), 2021

sábado, 1 de julho de 2023

A Pandemia e as Emoções: os significados da experiência de ser jovem no cenário brasileiro de crises

por  Lúcia Verônica Muniz de Paulo


    A pandemia do vírus Sars-CoV-2 – conhecido como COVID-19 – trouxe desafios individuais e coletivos. Diante da crise sanitária, as pessoas perceberam-se impotentes e incapazes; passaram por alterações significativas nas formas de lidar com os seus afetos. Neste cenário, os grupos jovens foram apontados como os grupos mais afetados emocional e psiquicamente, sobretudo por certas particularidades em como vivenciaram este momento. As causas disto, embora tenham sido evidenciadas na pandemia, não são frutos exclusivos das mudanças trazidas por este contexto (WHO, 2022). 


Foto por Frank Marcon

    Para apreender em produndidade o cenário brasileiro da pandemia e as formas como as pessoas foram emocional e psiquicamente afetadas neste contexto, tomo como base, para a minha pesquisa de mestrado, os textos que trabalharei aqui. Frantz Fanon, mais especificamente os textos presentes no livro “Os condenados da Terra”. Este livro fora publicado pela primeira vez em 1961, e fala sobre o modo como a colonização vulnerabilizou – e ainda vulnerabiliza – a psique dos povos colonizados. E para abordar as emoções experimentadas pelos jovens diante da pandemia no Brasil, utlizo o texto de Lila Abu-Lughod e Catherine Lutz “Introduction: emotion, discourse, and the politics of everyday life”, que é um capítulo de introdução às discussões sobre a Antropologia das Emoções presentes no livro “Language and the politics of emotion”, publicado em 1990 e organizado por estas autoras.

Antes da crise sanitária espalhar-se pelo mundo, o sentimento no Brasil já era de desamparo e de desesperança. As crises sociais e políticas, decorrentes principalmente da instabilidade no Poder Exercutivo do país, traziam a sensação de que os brasileiros, sobretudo os que mais precisavam da atuação do Estado, tornavam-se cada vez mais “os condenados da terra” (FANON, 2022 [1961]). Este cenário, ao somar-se à chegada da pandemia, transformou-se em uma dupla crise, o que afetou diretamente a forma como este momento fora experimentado emocional e psiquicamente no país. Assim sendo, mesmo antes dessa conjugação de crises, os brasileiros já experimentavam a “hiper-afetividade” mencionada por Franz Fanon (2022), uma vez que as desigualdades sociais vivenciadas na pandemia decorreram – e ainda decorrem – de um processo de continuidade e aprofundamento da invisibilização e marginalização dos socialmente vulnerabilizados, que se iniciara antes mesmo da chegada do COVID-19 no Brasil. Por ser um país que segue marcado pelo colonialismo, o Brasil tem seu povo vulnerabilizado socialmente e mantido com sentimentos “à flor da pele, como uma chaga viva” (FANON, 2022, p. 48). Estes sentimentos, bem como a forma como as pessoas significam as emoções, para serem compreendidos, exigem a localização no tempo e no espaço de seus surgimentos.

Frantz Fanon (2022) ao falar sobre a colonização, diz que esta é uma grande provedora dos hospitais psiquiátricos, e que existe uma dificuldade de cura do colonizado dentro de um meio social com as marcas do colonialismo (p. 251). A forma como as pessoas são marcadas emocional e psiquicamente, portanto, está relacionada ao contexto social em que vivem, o que mostra que não há como prescindir dos resquícios coloniais ao falar sobre a pandemia em um país como o Brasil, que segue marcado pela colonização.

A investigação sobre as emoções, como disseram Abu-Lughod e Lutz (1990), exige a observância de dois pontos cruciais: sociabilidades e relações de poder (p. 13). Para identificar os modos como os jovens, a partir do cenário de crises que fora a pandemia no Brasil, produziram e significaram suas experiências emocionais, os aspectos sociais que envolvem a construção destas experiências exigem ser reconhecidos. As emoções suscitadas entre os jovens brasileiros durante a pandemia não têm suas origens tão somente nas individualidades, e sim na vida social; nas condições políticas e econômicas que intensificaram as suas vulnerabilidades e experiências de sofrimento.

Embora as emoções sejam manifestadas no corpo humano dos indivíduos, e ligadas à saúde mental, as suas origens também precisam ser situadas no corpo social, de forma que seja possível observá-las como socialmente construídas e significadas (ABU-LUGHOD; LUTZ, 1990, p. 13). Diferentemente da ideia de que a sociedade é feita por indivíduos isolados, em que cada um se encerra em sua subjetividade, parto da compreensão de que as subjetividades dos jovens foram afetadas por essa dupla crise, sobretudo entre os que já eram submetidos à vulnerabilidade social. As experiências emocionais deste grupo e investigadas na minha pesquisa são observadas como frutos das circunstâncias históricas e culturais; são frutos da forma como o poder apresenta-se nas relações sociais das juventudes.

As experiências não foram iguais, e as diferenças estiveram relacionadas a desigual distribuição de poder preexistente à pandemia. Por isto, a investigação tem se debruçado sobre as circunstâncias sociais que foram – e continuam sendo – o plano de fundo das experiências emocionais das juventudes, que cada vez mais interpretam seus sentimentos como enfermidades. A vulnerabilidade e a situação de crises, unidas, podem não ter sido provedoras para os hospitais psiquiátricos, como dissera Fanon (2022, p. 251), pois estes não mais existem como outrora. A relação destas circunstâncias, contudo, gerou uma exposição ao dano psíquico maior entre os que já enfrentavam socialmente as dores da chaga viva de viver com as emoções à flor da pele (FANON, 2022, p. 48).

 

REFERÊNCIAS:

ABU-LUGHOD, Lila; LUTZ, Catherine A. Introduction: emotion, discourse, and the politics of everyday life. In: ABU-LUGHOD, Lila; LUTZ, Catherine A. (orgs.). Language and the politics of emotion. Cambridge: Cambridge University Press, 1990. P. 1-23.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.

WHO. COVID-19 and mental health In: World mental health report: transforming mental health for all. Geneva: World Health Organization; 2022. p. 28-32. Disponível em: <https://www.who.int/publications/i/item/9789240049338>. Acesso em: 22 set. 2022.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Relações étnico-raciais em Sergipe: escritas negras

Esta coletânea E-book foi organizada tendo como eixo principal a reunião de estudos acadêmicos que nos últimos anos abordaram o tema das relações étnico-raciais em Sergipe. O estímulo dos organizadores foi a constatação de uma interessante produção de estudos que caracterizam e visibilizam questionamentos críticos e vigorosos sobre o tema, a partir das abordagens e das experiências de negros e negras que atuam com pesquisa em e sobre Sergipe. Portanto, este livro é uma iniciativa de encontros e rompimentos sobre os assuntos que atravessam as relações raciais no estado, trazendo novos temas e revisitando outros a partir da perspectiva de autores e autoras com trajetórias implicadas pelo lugar de fala. Os textos aqui apresentados foram originalmente pensados a partir de pesquisas que se aproximam ou se encontram em certos temas e interesses, especialmente pelo motivo de realizarem revisões críticas ou trazerem alguma dimensão inédita sobre elas, bem como por despertarem para outros enfoques e abordagens inusitados até então. De um modo ou de outro demonstram o relevo, a relevância e a potência da discussão sobre as relações étnico-raciais em Sergipe. (pdf)



terça-feira, 6 de junho de 2023

Jovens Mulheres e o Direito à Cidade a partir da prática do Surfe e do Skate em Aracaju

 Por Letícia Oliveira Feijão Galvão[1]

 

Na contemporaneidade, a emergência de novas narrativas identitárias e as disputas e sentidos que estas atribuem ao espaço público têm ocupado relevantes campos de pesquisa nas ciências sociais. Durante a minha trajetória acadêmica, venho estudando múltiplas formas de agências juvenis e como essas agências se articulam a elementos presentes no cotidiano de parte das juventudes sergipanas contemporâneas. Atualmente, minha proposta de pesquisa de doutorado se baseia em trazer para análise categorias como corpo, gênero e cidade a partir das microculturas juvenis que se formam através da prática do surfe e do skate (ou skateboarding) na cidade de Aracaju. Mais precisamente, como a prática de ambos os esportes pode agir como um recurso de reivindicação feminina do espaço urbano[2] e qual é o papel da ação coletiva nesse contexto.

Foto da autora - 2022

Para viabilizar essas investigações, utilizo alguns textos sociológicos e antropológicos que dialogam com as minhas principais questões de pesquisa. Aqui, apresentarei algumas contribuições de dois deles: o livro A invenção do cotidiano: artes de fazer, de Michel de Certeau, e o texto Ondas, cenas e microculturas juvenis, de Victor Sérgio Ferreira. Meu intuito é mostrar como ambas as produções apresentam conceitos centrais para pensar como o direito à cidade é reivindicado pelas mulheres que se associam a coletivos voltados ao surfe, ao skate e aos estilos de vida que se estruturam a partir dessas práticas.

Em Ondas, cenas e microculturas juvenis, Ferreira (2008) define, a partir de uma leitura do antropólogo Carles Feixa, as microculturas como “contextos sociais onde ocorrem fluxos de significados e valores manejados por pequenos grupos de jovens na vida cotidiana, atendendo a situações locais concretas” (FEIXA apud FERREIRA, 2008, p. 101). O autor pontua, também, que as microculturas contemporâneas não respondem às dinâmicas sociais que as rodeiam como os “rituais de resistência" (HALL; JEFFERSON, 2003) das décadas passadas: segundo Ferreira (2008, p. 102), no lugar de um estilo de vida contestatório e militante, “passa a existir um estilo de vida celebratório, orientado por uma ética de existência que cultiva valores hedonistas, experimentalistas, presenteístas e convivialistas, no sentido do alargamento das possibilidades de expressão individual”. Podemos pensar os estilos de vida que se estruturam a partir de práticas cotidianas - como o surfe e o skate, por exemplo - como parte desse fenômeno.

Já em A invenção do cotidiano: artes de fazer, Michel de Certeau investiga como os sujeitos intervêm material e simbolicamente nas suas respectivas realidades a partir de “estratégias” e “táticas” estabelecidas nesses contextos. É precisamente no terceiro capítulo dessa obra em que o autor situa o que seriam essas estratégias e táticas, que estruturam as “artes de fazer” - modos de “caminhar, ler, produzir, falar etc.” (CERTEAU, 2014, p. 87) presentes no cotidiano dos agentes. Em Fazer com: usos e táticas, Certeau aponta o que distingue ambos os movimentos e quais são os seus efeitos na vida social.

É importante frisar que Certeau situa, em primeiro lugar, o papel do consumo nessa dinâmica, como sendo caracterizado sobretudo por suas “astúcias”; pela possibilidade de inversão de signos e práticas estabelecidos hierarquicamente no cotidiano. Em seguida, Certeau busca destrinchar a ideia de estratégia: segundo ele, a estratégia seria o cálculo ou a manipulação das relações de forças exercidas por sujeitos de poder. A estratégia é uma conduta necessariamente hierárquica, cartesiana, manifesta pelos “poderes invisíveis do Outro” (CERTEAU, 2014, p. 93).

As táticas, por sua vez, seriam justamente o oposto: seria um “movimento dentro do campo de visão do inimigo”, uma “arte do fraco” (CERTEAU, 2014, p. 94). Dessa forma, se as estratégias são estabelecidas de forma a propagar relações de poder, as táticas são as práticas que subvertem essa relação; são as possibilidades de construção de outras formas de consumir, de ser e estar nos espaços públicos e privados. Como posto pelo autor (2014, p. 97), “a tática é determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder”. 

Diante do exposto, é possível associar utilizar tanto a noção de microculturas juvenis, pensada por Ferreira, quanto os conceitos de artes de fazer, estratégias e táticas trabalhados por Certeau para analisar sociologicamente as relações entre mulheres, esportes, estilos de vida e espaço público em Aracaju. Quando pensamos no direito à cidade, é pertinente que pensemos, também, nas possibilidades de ação - ou, mais precisamente, nas artes e astúcias de reinvenção da cidade, como propõe Diógenes (2020) - que engendram práticas cotidianas capazes de desafiar estruturas de poder presentes no espaço público.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, Erna. “Uma cidade muda não muda”: mulheres, graffiti e espaços urbanos hostis. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Federal de Sergipe, 2020.

CERTEAU, Michel de. Fazer com: usos e táticas. In: A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 22. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.

DIÓGENES, Glória. Diagramas da Juventude Contemporânea: Artes e Astúcias de Reinvenção da cidade. In: Juventudes Contemporâneas: Desafios e Expectativas em Transformação. Rio de Janeiro: Editora Telha, 2020. 

FERREIRA, Victor Sérgio. Ondas, cenas e microculturas juvenis. PLURAL, Revista do Programa de Pós‐Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.15, 2008, pp.99‐128.

HALL; JEFFERSON, Tony (orgs.). Resistance through rituals: youth subcultures in post-war Britain. London: Routledge, 2003.

 



[1] Graduada em Ciências Sociais e Mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe (PPGS/UFS). Membro do Grupo de Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas (GERTs).

 [2] Parto da hipótese de que, como estudado por Barros (2020), os espaços da cidade são pensados a partir de uma lógica e de um modelo masculinos, sendo o corpo feminino socializado para “pertencer” ao âmbito privado. Nesse sentido, haveria um duplo processo de disputa por reconhecimento por parte das mulheres que se associam ao surfe e ao skate: um primeiro por serem mulheres a ocupar o espaço público, e um segundo por serem mulheres em esportes hegemonicamente masculinos.